domingo, 20 de novembro de 2011

Let it be, girl

 É como se ela não sentisse mais nada. Seus passos ecoavam na rua deserta e seus sapatos faziam a água acumulada nas calçadas respingar. As árvores gotejavam os resquícios de chuva que insistiam em permanecer sobre suas folhas. Ela corria, sem saber ao certo para onde estava indo, como todo bom clichê. Como toda garota que foge de casa numa tentativa de fugir da vida em si.
 Às vezes ela pensava que seria bom ir à Igreja para se confessar. Talvez - e só talvez -, o padre a entendesse, já que ninguém mais parecia capaz. Recebera bons conselhos sobre a Igreja, quando era criança. Era como se pudesse pecar à vontade, e depois resolver tudo e receber o devido perdão de Deus por intermédio de um homem gordo com uma batina preta que lhe chegava aos pés sentado dentro de uma cabine de madeira. Então ela se esconderia do outro lado da cabine, e falaria. Falaria tudo que estivesse a atormentando e seria perdoada. Sua alma voltaria a ser pura, seu lugar no paraíso estaria garantido. Deus voltaria a amá-la e tudo ficaria bem. O padre diria que tudo o que ela falava, sentia, fazia, pensava, que isso tudo era criação de sua mente perturbada. Mas ele não conhecia de perto o caos que era dentro de sua mente. Ninguém conhecia.
 Ela acabou entrando em um beco escuro o suficiente e sentou-se, no chão mesmo, com as calças surradas e a mochila entreaberta, e abraçou seus joelhos. Nada mais importava. Ela não se importava. Não ligava mais se sentiriam sua falta ou não, se ela morreria por inanição, se seria assaltada. Se, se, se. Nada disso era mais desesperador que a melancolia que vinha consumindo-a aos pouquinhos há um bom tempo, como toda boa parasita. Agora estava alojada em seu coração.
 Mas, o que serviria de alimento à melancolia depois que o coração se fosse, assim como todo o resto?

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Conversas de ponto de ônibus.

— Boas tardes.
— Boas, boas. 
— O ônibus que vai para a rodoviária já passou? — disse o homem, abancando-se e largando uma sacola que parecia pesada.
— Não. Deve chegar em breve, creio. 
— Com esse calor, não duvido que o motorista tenha desmaiado.
— Verdade. Que tempo louco.
— É. 
(Silêncio)
— A senhorita já foi na nova loja de eletrodomésticos, aquela, da esquina? — disse o homem, enquanto enxugava a testa suada com as costas da mão direita.

— Não, não. Por quê?
— Os preços são exorbitantes, nem perca seu tempo. Se bem que, uma mocinha da sua idade, não deve dar muita importância para eletrodomésticos. Estou certo?
— Não por isso.
— Veja, veja. — e abriu a sacola que estava no chão, mostrando-me algo que parecia um condicionador de ar — Sabe quanto paguei? Sabe?
— Não. Mas, pela sua expressão, não deve ter sido nada barato.
— 23 vezes de 47. Quanto dá isso?
— Não sei. Nunca fui boa em matemática.
— Em que série tu tá, menina?
— Segundo ano do ensino médio.
— E como chegou até aí? Eu tenho só até a quinta série, sabe. Mas, no meu tempo, o estudo era melhor.
— O estudo de hoje em dia está fraco, senhor. Não se admire. 
— Como eu disse, senhorita. Antes era tudo melhor. Acho que bons alunos só aprendem com reguadas na mão.
— É.
(Silêncio)
— Mas, sabe. Minha filha está na mesma escola que você.
— Hm. E ela está gostando?
— Acho que sim. As notas dela não estão tão boas.
— No começo é difícil.
— É..
— Mas, veja. O ônibus chegou. Boa sorte com o condicionador de ar.
— Obrigado, obrigado. E avanços na matemática.
— Deus lhe ouça, senhor. 
E então os dois nunca mais se veem. 


Gosto de efemeridades. Não sou do tipo que se apega à coisas, então, quanto mais efêmero algo for, mais me atrai. Efêmero é uma palavrinha bonita, dá uma sensação boa. Conheci-a lendo O Pequeno Príncipe, e ela me faz pensar. Nossa vida é algo tão, mas tão efêmero.. E, mesmo sabendo disso, teimamos em não aceitar. 
Essas conversas efêmeras são importantes. Acho engraçado como duas pessoas compartilham suas vidas, sabendo que a chance de se encontrarem novamente são quase inexistentes. Chega a ser triste. Sempre acontece comigo.