É como se ela não sentisse mais nada. Seus passos ecoavam na rua deserta e seus sapatos faziam a água acumulada nas calçadas respingar. As árvores gotejavam os resquícios de chuva que insistiam em permanecer sobre suas folhas. Ela corria, sem saber ao certo para onde estava indo, como todo bom clichê. Como toda garota que foge de casa numa tentativa de fugir da vida em si.
Às vezes ela pensava que seria bom ir à Igreja para se confessar. Talvez - e só talvez -, o padre a entendesse, já que ninguém mais parecia capaz. Recebera bons conselhos sobre a Igreja, quando era criança. Era como se pudesse pecar à vontade, e depois resolver tudo e receber o devido perdão de Deus por intermédio de um homem gordo com uma batina preta que lhe chegava aos pés sentado dentro de uma cabine de madeira. Então ela se esconderia do outro lado da cabine, e falaria. Falaria tudo que estivesse a atormentando e seria perdoada. Sua alma voltaria a ser pura, seu lugar no paraíso estaria garantido. Deus voltaria a amá-la e tudo ficaria bem. O padre diria que tudo o que ela falava, sentia, fazia, pensava, que isso tudo era criação de sua mente perturbada. Mas ele não conhecia de perto o caos que era dentro de sua mente. Ninguém conhecia.
Ela acabou entrando em um beco escuro o suficiente e sentou-se, no chão mesmo, com as calças surradas e a mochila entreaberta, e abraçou seus joelhos. Nada mais importava. Ela não se importava. Não ligava mais se sentiriam sua falta ou não, se ela morreria por inanição, se seria assaltada. Se, se, se. Nada disso era mais desesperador que a melancolia que vinha consumindo-a aos pouquinhos há um bom tempo, como toda boa parasita. Agora estava alojada em seu coração.
Mas, o que serviria de alimento à melancolia depois que o coração se fosse, assim como todo o resto?
Nenhum comentário:
Postar um comentário